Nesta segunda-feira (28), a Câmara Municipal de Araraquara realizou uma Audiência Pública para discutir a Política Municipal para a População em Situação de Rua e o Programa Municipal “Novos Caminhos – a Rua e outras Possibilidades”, um projeto que visa a oferecer uma vida digna a este grupo populacional de extrema precariedade social, econômica e afetiva. O Projeto de Lei nº 156/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, que entrará em votação na Sessão Ordinária desta terça-feira (29), reúne esses objetivos e defende a necessidade de promover a dignidade da população em situação de rua, envolvendo ações integradas de saúde, educação, habitação, cultura, esporte, segurança pública, proteção e bem-estar animal.
A audiência, realizada em modalidade remota, foi solicitada pela vice-presidente da Casa de Leis, a vereadora Thainara Faria (PT), por meio do Requerimento nº 573/2021, e contou com transmissão ao vivo pelas plataformas da TV Câmara (canal 17 da NET, Facebook, YouTube). A participação do público deu-se por meio das redes sociais da Câmara Municipal.
Nem anjos, nem demônios
Além do prefeito Edinho Silva (PT) e de representantes de todas as secretarias envolvidas na elaboração do projeto e no trabalho cotidiano com as pessoas em situação de rua de Araraquara, a discussão contou com a presença do padre Júlio Lancellotti, pároco da Paróquia São Miguel Arcângelo, na Mooca, em São Paulo (SP), que há 36 anos é ativista social incansável pela dignidade da população em situação de rua, cuja atuação é referência em nível nacional e internacional. “Eu não trabalho com a população em situação de rua; eu convivo com a população em situação de rua. Este é um ponto muito importante: conviver”, pontuou.
Em sua participação, padre Júlio Lancellotti, hoje aos 72 anos de idade, revelou que estudou em Araraquara, no Seminário dos Padres do Verbo Divino, o “Juvenato Nossa Senhora do Carmo”, em 1962. O sacerdote elogiou a iniciativa da Prefeitura: “Ter um projeto de lei para a população em situação de rua é um ato de resistência neste momento necrófilo, dramático, da nossa história”. Ele foi enfático na defesa da construção conjunta de soluções: “Uma política pública não deve ser de tutela, mas, sim, de autonomia. Porque a tutela leva à lesão da população de rua e a uma dificuldade de entender que as pessoas devem buscar o seu próprio caminho”.
“É preciso que nós olhemos para as pessoas em situação de rua como seres humanos; nem anjos, nem demônios, mas, sim, seres humanos, com todas as dificuldades e as situações de altos e baixos que as pessoas têm”, acrescentou, lembrando que elas não devem tratadas como números, clientes ou assistidos, em sentido paternalista. “Ninguém tira as pessoas da rua. Elas saem com suas próprias pernas, fazendo seu próprio caminho. Apesar de todas as dificuldades, pressões, elitismo, é uma construção conjunta da comunidade.”
Acolhimento
Um dos objetivos do projeto é mudar o foco do assistencialismo à população em situação de rua para o acolhimento. Nas palavras do prefeito Edinho Silva: “O programa Novos Caminhos muda toda a concepção da relação do poder público com a população em situação de rua, muda a orientação dessas políticas públicas. O projeto de lei que enviamos à Câmara normatiza essas iniciativas e sinaliza para outras iniciativas que julgamos importantes”. O prefeito aponta um entendimento totalmente modificado da Casa Transitória: “Nós não queremos que a concepção da casa seja transitória. Queremos que ela seja um instrumento de acolhimento, de permanência; um instrumento de reorganização da vida dessas pessoas, seja a possibilidade de reencontro com a família, de inserção em programas de recuperação da dependência química, seja de reinserção no mercado de trabalho”.
Os representantes das secretarias apresentaram um panorama geral dos trabalhos direcionados à população em situação de rua, que deverão ser abarcados pelo projeto enviado para apreciação.
A secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Jacqueline Barbosa, explicou as ações realizadas pela pasta para combater a invisibilidade dessa população, como uma conferência municipal, a criação de um comitê inter-setorial, o café da manhã solidário e a publicação de um livro.
A secretária de Direitos Humanos e Participação Popular, Amanda Vizoná, informou que duas novas casas-abrigo, que foram pedidas no Orçamento Participativo, deverão ser entregues este ano: uma para a população LGBT e uma para mulheres em situação de rua, a “Casa das Margaridas”.
O coordenador executivo de Atenção Especializada, Misael Emilio, representando a Secretaria Municipal da Saúde, falou sobre a busca ativa realizada por médicos da Secretaria durante a pandemia de Covid-19, com realização de exames e encaminhamentos de pessoas contaminadas aos serviços especializados, prática que poderá ser ampliada e estruturada para além da pandemia, possibilitando a implantação futura de um projeto de “Consultório na Rua” em Araraquara.
A secretária Desenvolvimento Urbano, Sálua Kairuz Manoel Poleto, destacou a importância de um planejamento urbano que promova uma cidade mais acolhedora: “Uma cidade que não seja um espinho para esta pessoa, não seja hostil, não seja excludente”.
O secretário de Cooperação dos Assuntos de Segurança Pública, Coronel João Alberto, destacou o alinhamento da Guarda Civil Municipal com o respeito aos direitos humanos, o que possibilitou que, nos últimos anos, não houvesse registro de desrespeito à população em situação de rua, em sintonia com as metas do programa Novos Caminhos.
Por fim, representando a Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento Econômico, a coordenadora executiva de Trabalho e Economia Solidária, Camila Capacle, falou sobre o Programa de Incentivo à Inclusão Social (PIIS), que envolve várias secretarias e atende pessoas em extremo risco social, inclusive pessoas em situação de rua. Dessa população, foram atendidas 26 pessoas até o momento, encaminhadas pela Atenção Especial, a maioria, homens. Atualmente, seis estão vinculados ao programa e dois estão de mudança para uma casa, por meio do programa de aluguel social.
Dois vereadores participaram da audiência: Paulo Landim (PT), que manifestou satisfação em defender o projeto, “que está do lado dos que mais precisam”, e Fabi Virgílio (PT), que afirmou que o projeto “é um ‘esperançar’ em tempos tão sombrios, uma afirmação de que há esperança, que há saída e que o Estado pode ajudar a prover esse acolhimento e essa ressignificação de histórias”.
Para a organizadora da audiência, o encontro teve um bom alcance. “Araraquara vem se reinventando no modo de fazer política, uma política humana, e de compromisso com o povo, esteja ele na situação em que estiver. Nossa audiência dinamiza a participação popular e amplia o debate em torno do programa, o que é fundamental. Ter contado com a presença do padre Júlio fez com que pudéssemos ter uma linha sobre como nossas políticas devem ser”, concluiu Thainara.
A audiência pública pode ser assistida na íntegra aqui.
Publicado em: 28/06/2021 20:58:08