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“Pode ligar quantas vezes você precisar. Estamos sempre aqui.” É assim que o professor de Educação Física Júnior da Silva encerra o último telefonema do seu plantão como voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV). “Já são 26 anos de voluntariado!”, comemora, sem esconder a satisfação. “Sempre digo que quem passa do segundo ano não para mais. E a gente é voluntário para a vida: no trabalho, na rua, em todo lugar, parece até que tem um ímã nos atraindo para ouvir quem precisa”, conta, durante uma visita do vereador Rafael de Angeli (PSDB) à entidade.
“Fui alertado para o aumento das tentativas de suicídio, principalmente nos pontilhões, no final do ano. Como o CVV está diretamente envolvido com a questão da prevenção, achei importante começar por aqui, para discutirmos, juntos, ações que possam ajudar a enfrentar o problema de forma eficaz”, explica o parlamentar. Quem acionou o gabinete de Angeli foi a telefonista Diana de Souza, que trabalha na área da saúde há 15 anos, sete na Secretaria da Saúde e oito no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “No meu trabalho como telefonista do Samu, percebo que no fim do ano, a partir de setembro, temos muitos pedidos para socorrer pessoas com quadros depressivos que atentam contra a própria vida”, diz. “Os pontilhões da cidade, principalmente o da 22 de Agosto e o da Barroso, são pontos propícios para essa tentativa. Alguns, infelizmente, conseguem.”
Em um trabalho de prevenção ao suicídio, o CVV oferece atenção a pessoas que precisam conversar. Júnior é um dos 29 voluntários que dedicam quatro horas semanais ao atendimento telefônico do CVV em Araraquara. “O ideal seria termos o dobro de pessoas”, diz a voluntária Adriana Rizzo ao vereador. Isso porque, em 2018, o CVV firmou uma parceria com o Ministério da Saúde e a Anatel, a qual possibilitou que todas as ligações sejam gratuitas, por meio do número 188, a partir de qualquer linha telefônica, fixa ou celular. “Pelo 188, os postos de todo o país estão integrados, e todos recebem ligações provenientes de qualquer cidade. Quando atendo o telefone, não sei se do outro lado da linha está alguém de Araraquara, de São Paulo ou de Manaus”, exemplifica Adriana. “Com isso, o número de ligações também aumentou. Se antes recebíamos aqui 50 chamadas por dia, agora são 150. O CVV fechou o ano de 2018 com o registro de 2,5 milhões de atendimentos. A expectativa para 2019 é de 3 milhões.”
Para dar conta de tamanha demanda, o CVV conta com 105 postos espalhados pelo país; algumas cidades grandes, como São Paulo (SP), têm mais de um. “Tem hora que passamos aperto, principalmente nas madrugadas, um horário em que a solidão costuma bater mais forte”, conta Adriana, que é voluntária há 19 anos. O atendimento do CVV se dá principalmente por telefone, porém outros canais, como o chat e o e-mail, estão conquistando espaço, principalmente entre os mais jovens. Há ainda uma sala reservada na sede para quem quiser conversar pessoalmente. Os atendimentos envolvem pessoas de todas as idades e classes sociais. “Não se trata de trabalho terapêutico, não há acompanhamento”, esclarece Adriana. “Trata-se de dedicar tempo e atenção para uma pessoa que está precisando, alguém que está se sentindo triste, sozinho, precisando ser ouvido. O ideal é que a pessoa procure ajuda antes de ter a ideia de morrer.” A formação constante de voluntários é essencial para o desenvolvimento das atividades. Uma nova turma teve início em Araraquara no último domingo (19). O treinamento dura oito semanas, com um encontro semanal para estudo da parte teórica e treinamento prático. Adriana explica que “há toda uma técnica para deixar a pessoa falar, se sentir à vontade. O voluntário aprende a criar um ambiente favorável para que ela se sinta acolhida. É um ser humano falando com outro ser humano. O material de apoio é baseado na psicologia humanista, na qual o mais importante é a pessoa em si. Enquanto ela estiver falando comigo, tem cem por cento da minha atenção”.
Para ser voluntário, é necessário ter 18 anos de idade e ser aprovado na avaliação ao final do curso. “Às vezes, a pessoa tem expectativas diferentes, ou não tem o perfil do voluntário do CVV, ou quer algo mais palpável, como cuidados de crianças e idosos, ou doação de cestas básicas. A nossa ajuda é mais subjetiva. E, às vezes, a pessoa está querendo se melhorar, ou não está em uma fase muito boa da vida, então não é o momento”, ressalta Adriana. “No começo, podemos ficar impressionados com os problemas que escutamos. Mas o próprio grupo de voluntários representa um apoio importante. Temos reuniões mensais de treinamento. O trabalho também é importante para nos conhecermos melhor, diminuirmos preconceitos, aprendermos o que não queremos para a nossa vida, além de ajudar os outros. Há estudos que comprovam que 90% das pessoas que dão indícios de que vão se matar realmente o fazem.” De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo, sendo que 79% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda. No Brasil, o Ministério da Saúde divulgou um relatório no ano passado, segundo o qual 11 mil pessoas tiraram a própria vida em 2017. O suicídio é a quarta maior causa de morte entre homens e a oitava entre mulheres na faixa etária de 15 a 29 anos. Além disso, em média, 12 mil pessoas são internadas por ano, pelo SUS, devido a autointoxicações intencionais (principalmente ingestão de remédios). “Os dados são alarmantes, ainda mais se pensarmos que a subnotificação é enorme e que a morte por suicídio é considerada evitável, de acordo com a OMS”, avalia Angeli, que está planejando ações conjuntas com o CVV para promover campanhas de prevenção. “É um assunto tabu, os dados são de difícil obtenção e muitas pessoas têm vergonha de admitir que houve um caso na família ou que estão tendo ideias suicidas. Mas o problema está aí, é uma questão de saúde pública e é necessário trazê-lo à luz. A campanha do Setembro Amarelo é muito importante, mas precisamos divulgar o trabalho do CVV e programar campanhas que chamem a atenção para o problema durante todo o ano.”
Canais de comunicação com o CVV
O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas, todos os dias. Também é possível acessar www.cvv.org.br para chat, Skype, e-mail e mais informações. O endereço do CVV Araraquara é: Rua Dorival Alves, nº 80, na Vila Xavier, com atendimento diário das 7 às 13 horas.
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