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O Brasil é um dos países mais violentos para as mulheres – de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é morta no país a cada seis horas, vítima de feminicídio – e a Lei Maria da Penha é tida como uma das três legislações de gênero mais avançadas do mundo, ficando atrás apenas da Espanha e do Chile, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em 2023, a referida lei completa 17 anos. Por isso, na noite da quarta-feira (2), no Plenário da Câmara Municipal, uma roda de conversa discutiu os desafios da Lei Maria da Penha, em evento que abriu a programação da 2ª Semana Municipal de Conscientização e Ações Voltadas à Promoção da Lei Maria da Penha, instituída pela Lei nº 10.302/2021, de autoria das vereadoras Fabi Virgílio (PT), Filipa Brunelli (PT), Luna Meyer (PDT) e da atual deputada estadual Thainara Faria (PT). Participaram do debate as advogadas Meire Silva e Renata Boschiero, respectivamente, presidenta e vice-presidenta da Comissão da Mulher Advogada da 5ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Araraquara.
“Temos várias deficiências ainda, em um processo de desconstrução de uma sociedade machista, que vê na mulher um grande objeto, e o quanto é difícil desconstruir isso na sociedade. Uma mudança cultural não se dá de um dia para a noite, bem que gostaríamos que fosse em um piscar de olhos, em um estalar de dedos. O processo é ainda muito moroso, mas temos que falar mais de quais foram os avanços”, iniciou a vereadora Fabi Virgílio, que intermediou o bate-papo.
Renata destacou que, nos últimos anos, a cada dois minutos, foi concedida uma medida protetiva pela Justiça brasileira. “Esse número para mim é alarmante. Conceder medida protetiva, pura e simplesmente, não me parece que seja a melhor saída. A medida protetiva é concedida em um momento já de caos, quando a mulher já está em situação de risco. Então, precisamos fazer uma profunda reflexão sobre o tema. Em 17 anos, a gente ainda não conseguiu fazer com que o número de medidas provisórias diminua, fazer com que o número de feminicídios diminua.
Para ela, as medidas educativas previstas na Lei Maria da Penha não estão sendo efetivas, pois muitas vezes elas não acontecem. “Temos uma boa rede de políticas públicas aqui em Araraquara, sendo a cidade uma das pioneiras em casa abrigo. Por outro lado, existem ainda muitas cidades que não dispõem de casa abrigo. Se pararmos para pensar, é o mínimo, pois existem muitas mulheres que não têm para onde ir. Como você tira uma mulher de uma situação de risco se ela não tem para onde ir? A gente precisa propor muito mais debate em relação aos mecanismos previstos na Lei Maria da Penha para que, necessariamente, as ações educativas de combate à violência contra a mulher sejam eficientes, para que a gente não precise de tanta medida protetiva.”
Meire entende que a educação também é o caminho. “Precisamos mudar o sistema de uma sociedade e isso não é fácil, não é a partir somente de uma lei que vamos conseguir fazer isso, mas de educação e de lutas, e que a sociedade, de fato, compre essa briga, não só as mulheres.”
Na avaliação da presidenta da Comissão da Mulher Advogada, o avanço de qualquer tipo de lei depende também de uma estrutura de Estado e de política pública de Estado. “Todas as vezes que tivermos um Estado mínimo, teremos mais violência e teremos mais feminicídios. O Estado precisa cumprir o seu papel. O grande responsável pelo aumento de mortes, pelo aumento da violência doméstica, é o Estado que não cumpre o seu papel. Precisamos de um Estado atuante, precisamos de um Estado que desenvolva política pública e dê espaço para que as mulheres tenham lazer, emprego, renda, autonomia, creche de qualidade, educação para seus filhos, moradia, acesso à saúde e a todas as políticas públicas que deem a ela, de fato, as condições para que ela não entre, nunca, em um ciclo de violência.”
“Intuição são nossas ancestrais soprando em nossos ouvidos segredos de sobrevivência”, encerrou Fabi, citando o poema “Intuição”, de Ryane Leão. “Nunca deixe desaperceber o que se achega para você e o que o seu coração manda, pois são nossas ancestrais falando: ‘Sobreviva, filha’. É sobre isso”, concluiu a vereadora.
Participaram da conversa ainda a coordenadora executiva de Políticas para Mulheres, Grasiela Lima, e a coordenadora executiva de Direitos Humanos, Renata Fattah, e estiveram presentes a comandante da Guarda Civil Municipal (GCM), Juliana Záccaro, e o gestor de projetos na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Participação Popular, Adriel Barbosa.
A programação será encerrada na segunda-feira (7), no Centro Afro, às 18h30, com a Roda de Conversa “Por que as mulheres negras são as maiores vítimas da violência machista?”, que terá participação da coordenadora de Políticas Étnico-Raciais, Alessandra Laurindo, e de Grasiela Lima.
A discussão na íntegra pode ser conferida aqui.
Sobre as convidadas
Renata Bernardi Boschiero: advogada, graduada pela Uniara e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho, e vice-presidenta da Comissão da Mulher Advogada da 5ª Subseção de Araraquara da OAB/SP.
Meire Silva: advogada e presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB-Araraquara.
Sobre a Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha completa 17 anos no dia 7 de agosto de 2023 e trata dos direitos humanos das mulheres e das violências sofridas no ambiente doméstico.
A elaboração da lei resulta da condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001, por negligência e omissão do país no caso de violência doméstica sofrida pela farmacêutica cearense Maria da Penha, que ficou paraplégica em uma tentativa de feminicídio do marido e passou por uma série de dificuldades e humilhações até conseguir responsabilizar seu agressor.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicada em março de 2015 demonstrou que a Lei Maria da Penha reduziu em 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos contra as mulheres, evitando milhares de casos de violência no Brasil.
No entanto, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, revelou que 11% das brasileiras sequer ouviram falar da Lei Maria da Penha e que 80% conhecem pouco ou nada da lei.
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